Google+ O blogue: março 2016

É porque eu sou rio, sou mar — Filipe Ramalheiro, Anarquismos.

É porque eu sou rio, sou mar, sou a gota d’água, o fundo do poço que não tem fim.
Eu sou profundo e raso ao mesmo tempo e me encarno minimamente no cais do porto da escuridão infinita.
Se eu mergulho, não volto e morro afogado porque sou a incerteza em corpo de (quase) gente.
Se eu escorrego na poça rasa, caio e não me levanto mais, porque eu sou o cansaço personificado em corpo de animal (quase) racional.
Eu sou tão particularmente complexo quanto um origami e estupidamente transparente como uma cantiga de roda.
Eu sou o extremo de dois lados completamente opostos e me faço de louco quando minha lucidez se encontra no mais perfeito ápice.
Eu não me entendo e não compreendo o que o meu nome tem a ver com a minha inteligência abatida pelo sol escaldante.
Eu me olho no espelho às 6:37 da manhã e me enfio em minhas olheiras me perguntando qual o preço da escuridão.
E eu grito que sou claro como o dia e que meu sol tem cheiro de solidão.
E eu digo que minha lua se apagou e não quis se sobrepor mais a minha saudade.
E eu brinquei e solucei e corri aos quatro cantos dessa cidade-de-meu-deus voando e me lançando aos ares de toda a minha volúpia, me embriagando com minha felicidade, alagando as melodias de minha agonia.
E as flores que já estavam mortas e jogadas em minha calçada se desfizeram em pó e me encheram até a boca com toda sua beleza e saudade.
Me encarno nos olhos de meu próprio espírito e busco a liberdade que estava engarrafada e era servida aos montes como um vinho refinado.
Meu encarcere lento e repentino correu e se escondeu para nunca mais ser visto em lugar nenhum enquanto eu chorava de alegria, tentando apanhar minha liberdade como um caçador de borboletas busca sua presa bela e única.
Porque a liberdade é só e dá prazer a quem a possui, mas matando aos poucos quem a busca.
E eu, depois de tempos a encontrei e me livrei de minha sina horripilante e ri como se nunca mais existisse o riso e te ouvi chorando porque o peso de suas lágrimas me encheu de alegria. E assim continuou o dia, a noite, a tarde, a vida.
Porque se eu rio… tu mares.


— Filipe Ramalheiro, Anarquismos.

Eu quero o teu beijo, tua boca na minha inteira.



Eu quero o teu beijo, tua boca na minha inteira.
Tua língua madura enroscada na minha, numa busca sem tréguas e sem caminhos.
Eu quero teu hálito perfumado invadindo meu gosto.
Eu quero engolir o teu desejo, colar teu corpo no meu e num abraço sem fim, olhando nos teus olhos, dizer que tudo o que quero na vida é ter você só para mim, como numa poesia.
Eu me despeço e sigo trôpego ao sabor do vento.
A madrugada escura envolve com seu nevoeiro a minha alma e o meu coração segue apertado, batendo descompassado e chorando a tua ausência, gritando a distância dos teus beijos e deixando escorrer uma lágrima vermelha que se misturou ao escuro da noite, enfeitando a saudade e o sofrer de mais uma espera com a cor escarlate.
E vento soprou forte cortando o meu rosto triste, carregando-me para cada vez mais longe.
O vento sibila em meus ouvidos e congela os meus lábios que agora já não sentem o calor dos teus.
Vento cruel, irresponsável, que veio não sei de onde com a missão de nos separar.
Mas que ele não saiba que enquanto soprava com sua volúpia indesejável, ele trouxe para mim o teu perfume.
E eu aqui calado, sorrio pela felicidade de guardar na distância o teu cheiro, que é o meu cheiro que me invade tirano ao sabor do vento.